Em sua quarta edição, o encontro Regional Norte da Sociedade de Arqueologia Brasileira se propõe trazer o passado cada vez mais para o presente, e refletir suas formas de interação com demandas sociais, culturais e políticas dos diferentes agentes que se relacionam e se apropriam dele. Com o tema “Reapropriações do Passado: o futuro do passado na região Norte do Brasil”, buscaremos estimular o encontro entre arqueólogos/as, representantes de instituições de gestão e execução de projetos e bens arqueológicos, e representantes de comunidades tradicionais de diversos Estados do Norte.
Os arqueólogos, via de regra, são acostumados a se pensar como os legítimos guardiões e os mais conceituados interpretes dos restos materiais das culturas passadas. No entanto, nas últimas décadas, suas prerrogativas sobre o chamado registro arqueológico estão gradualmente sendo postas em discussão por diferentes grupos de interesse, que reivindicam direitos iguais ou superiores sobre o seu acesso, seu uso, manejo, ou sobre sua compreensão.
Essas diferentes percepções correspondem a diversos modos de se apropriar do passado, que demandam um questionamento interno da arqueologia contemporânea, seja do ponto de vista teórico que prático. Tal reflexão se torna ainda mais urgente no contexto da região Norte do Brasil, que, hoje em dia, está vivenciando um processo de urbanização sem precedentes e está sendo atingida por projetos de exploração de recursos naturais em grande escala que, via de regra, se caracterizam pelo enorme descompasso entre os investimentos voltados à geração de lucro e o retorno para as populações locais em termos de inclusão social e cidadania. De fato, tal processo, para além dos enormes impactos sobre o patrimônio arqueológico, acaba ameaçando os meios de subsistência e de reprodução cultural das numerosas comunidades tradicionais da região. Entre elas, cerca de duzentos diferentes grupos indígenas, que pleiteiam o direito de interpretar a história de seus antepassados e de gerenciar de forma independente seu patrimônio cultural e seus territórios ancestrais.
Enquanto parte interessada entre outras no manejo do passado, os arqueólogos necessitam, portanto, ter consciência de que paisagens, sítios e vestígios arqueológicos são fenômenos do presente, entrelaçados com as histórias de vida e os interesses das pessoas atuais. Além do mais, os arqueólogos têm que considerar que o passado não é objetivo e neutral, mas constantemente manipulado na dialética entre dominação e resistência. Neste âmbito, a carência de políticas públicas voltadas à valorização das diferentes trajetórias locais, como também da profunda história regional, acaba ocultando o fundamental aporte cultural das populações tradicionais amazônicas; inibindo as potenciais contribuições que um panorama sociocultural tão variado e em constante transformação pode oferecer para a construção de um futuro alternativo para o passado regional.